Stavros Stavrides é arquitecto, activista e professor da Escola de Arquitectura da Universidade de Atenas

“Os turistas querem ver a cidade, não um parque temático ou um zoo”

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Quando vim a Lisboa há dez ou doze anos, fiquei maravilhado quando visitei um bairro muito perto do centro e senti que estava numa vila, onde essas diferentes pessoas viviam em comunidade. Senti-me numa cidade inclusiva.

 

Quando o arquitecto e activista Stavros Stavrides fala em “espaço comum” refere-se aos espaços criados por quem os usa. “É onde pessoas diferentes encontram espaço comum para habitarem”, distinto do espaço público, que é “controlado por uma autoridade que dá a permissão de uso, sob certas condições”, na óptica deste professor da Escola de Arquitectura da Universidade de Atenas.

Stavrides, grego de 59 anos, acredita que é necessário reinventar a participação dos cidadãos ao nível local, para que “as pessoas possam de facto tomar decisões” sobre a cidade onde vivem. Defensor da intervenção dos municípios no controlo do mercado imobiliário e apoiante dos programas de renda acessível em bairros lavrados pelo turismo, o arquitecto dá o mote, esta terça-feira, para o debate “Espaços Urbanos Comuns”, no Teatro Maria Matos, em Lisboa.

O que falta aos espaços públicos para serem espaços comuns?

Na nossa sociedade tendemos a tornar-nos mais e mais divididos e exclusivos. De que adianta ter uma praça com arquitectura bonita se está rodeada por empresas turísticas e tudo o que existe ali serve apenas esse fim? Uma praça assim deixa de ser inclusiva, deixa de ser comum, ainda que seja pública. Por isso precisamos de espaços mais inclusivos, onde diferentes comunidades se possam desenvolver. Claro que há comunidades que querem algum espaço só para si, mas não devemos construir enclaves ou guetos.

Podemos dizer que as cidades com mais e melhores espaços comuns tendencialmente são mais inclusivas?

Sim. A inclusão é uma parte crucial na criação de espaços comuns. Tem-se notado que, por causa da crise, muitas pessoas estão excluídas da protecção do Estado — ficam sem abrigo, sem trabalho — e muitas vezes excluídas para própria sociedade. Por isso, muitas pessoas começaram a compartilhar, por uma questão de sobrevivência, o espaço e outras coisas, como economias alternativas e redes de educação alternativas. Acho que, neste momento da nossa história, estamos perante um processo de emergência dos espaços criados pelas pessoas na sua tentativa de sobreviverem colectivamente.

A ideia por detrás dos espaços comuns é que são as pessoas, não os poderes políticos, que decidem qual o uso a dar a estes locais. Esta é uma oportunidade para repensar o espaço público?

Sim, não importa quão democraticamente eleitos foram os autarcas, eles precisam sempre de estar em contacto com as pessoas. Esta onda de democracia directa, desde o Movimento dos Indignados ao Occupy Wall Street, indicou que existe um défice de democracia nas nossas sociedades. Precisamos de reinventar a democracia e os processos através dos quais as pessoas possam de facto tomar decisões.

Como?

Por exemplo, tendo assembleias de bairro, dando às pessoas direitos e encorajando-as a dizer o que acham que deve ser feito no seu bairro. E dar-lhes a oportunidade de trabalhar em soluções. Se não dermos a possibilidade às pessoas para produzirem ideias e tomarem decisões, a participação é só um álibi para os políticos fazerem aquilo que queriam logo à partida.

Como várias cidades europeias, Lisboa assiste a um processo de gentrificação – esvaziamento de população local de espaços centrais tomados pelo turismo. É possível reverter este processo?

Sim, se estas zonas das cidades forem abertas para outros usos, não apenas para o turismo. Quando se intervém num bairro, esta intervenção tem que ser feita sem destruir a mistura de actividades e de pessoas que existe neles. No momento em que crias uma espécie de montra para o turismo, estás a esvaziar o local, a transformá-lo num espaço apenas para consumo. E nem sequer é isso que os turistas mais interessados querem: querem ver a cidade, não um parque temático ou um zoo.

Quando vim a Lisboa há dez ou doze anos, fiquei maravilhado quando visitei um bairro muito perto do centro e senti que estava numa vila, onde essas diferentes pessoas viviam em comunidade. Senti-me numa cidade inclusiva.

Na prática, como se pode reverter a gentrificação?

Tornando os bairros acessíveis. É necessária intervenção do município, porque se confiarmos a responsabilidade no mercado imobiliário estamos a apoiar a exclusão e expulsão. Se deixarmos o Airbnb, por exemplo, existir sem regras que o regulem, passamos a ter bairros sem vida. Só dá para reverter o processo se houver lá pessoas a viver.

Temos que delimitar áreas que não podem ser usadas para alojamento turístico, devem ser dadas oportunidades para os jovens se fixarem nestes bairros e incentivar a criação de postos de trabalho.

Não se trata só de pedir aos autarcas para fazerem algo, mas também criar iniciativas que forcem os autarcas a tomar decisões, que os forcem a aceitar a participação, que mudem as perspectivas das autoridades locais e as façam perceber que confiar no mercado é uma rua sem saída.

http://www.e-flux.com/journal/17/67351/on-the-commons-a-public-interview-with-massimo-de-angelis-and-stavros-stavrides/

https://www.publico.pt/2017/01/24/local/noticia/os-turistas-querem-ver-a-cidade-nao-um-parque-tematico-ou-um-zoo-1759406

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