Parecer sobre o Regulamento de Alojamento Local de Lisboa

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1. Estudo Urbanístico do Turismo em Lisboa

Dados estatísticos

O estudo, em que se baseia esta proposta de Regulamento de Alojamento Local, parte dos dados profundamente desactualizados (Censos de 2011) relativamente ao sector residencial, pelo que não tem validade o rácio proposto para a relação entre uso residencial/AL para poder informar convenientemente a tomada de decisão política em 2019.

Enquadramento

Este Estudo foi elaborado apenas do ponto de vista Urbanístico e, portanto, deixa de fora importantes factores económicos e sociais envolvidos no Turismo e na Qualidade de Vida da cidade e dos seus habitantes.

2.      A situação actual do AL

De acordo com o estudo da ARHESP (1), de 20171, 60% dos AL foram criados em habitação devoluta. O que significa que, por defeito, cerca de 8 000 famílias perderam a casa devido ao AL . Este número não para de aumentar.

Os dados recentes demonstram que o AL, depois do anúncio das zonas de contenção não parou aí de crescer, mais ainda nas zonas limítrofes. Na verdade, a percentagem limite nas zonas visadas é significativamente superior à prevista nesta proposta devido à exceção que foi criada para os prédios a necessitar de reabilitação urbana.

A 1 de Janeiro de 2019, existiam já 19 610 alojamentos locais na cidade de Lisboa (dados da CML), o que resulta em mais 3 545 do que em Agosto de 2018. Estima-se que neste momento haja mais de 20 000 AL. Partindo dos dados que foram usados no “Estudo Urbanístico do Turismo em Lisboa” já mencionado, e que serviram de base à suspensão de novas licenças, registou-se um crescimento de 12% no número de registos entre agosto do ano passado e março deste ano. São valores que, por exemplo, já ultrapassam, por larga medida, as unidades de AL em Barcelona, cidade que apresenta uma maior densidade populacional, o que influencia negativamente o rácio população residente/população flutuante.

3 – Zonamento e definição de áreas

Esta proposta cria dois grandes eixos de expansão ilimitada do AL: a Zona da Baixa, o eixo Av. da Liberdade, Av. Fontes Pereira de Melo, Av. da República e a Av. Almirante Reis, que ficam de fora de qualquer medida de contenção, as quais, desde logo, integram realidades sociodemográficas, económicas, culturais e habitacionais muito distintas, apesar de dominadas pelo uso terciário. Esta ausência de contenção entra em contradição absoluta com os princípios de mix social e funcional que orientam o próprio estudo em que a proposta se baseia. Esta “medida de excepção” vai promover a continuação de despejos e desalojamentos nas áreas visadas.

As zonas territoriais definidas não permitem a agregação de dados, com base nas freguesias e seus limites, reconhecidos estatisticamente, pelo que as decisões de contenção, já feridas pela ausência de dados residenciais actualizados, ainda se revelam com um suporte mais fragilizado.

Por outro lado, as propostas de contenção não têm em conta o número de unidades hoteleiras existentes e que também influenciam os fluxos turísticos e a capacidade de carga destes territórios.

Propostas

  1. Fazer a destrinça entre AL para fins comerciais, empresarialmente tomado e profissionalizado e o AL típico de economia de partilha (quartos, aluguer do apartamento habitacional no período de férias).
  2. Monitorizar em tempo real os dados da habitação para fins residenciais, a habitação usada para fins turísticos e as unidades hoteleiras. Abrir os dados à população, com elaboração de relatórios periódicos que permitam o acompanhamento da situação, na realidade. Criar um sistema de recolha de contributos e queixas por parte dos cidadãos. Prever a revisão deste Regulamento.
  • Ligar a monitorização a um sistema efetivo de fiscalização do AL e de cumprimento do Regulamento do Alojamento Local.
  • Criar um número limite para o total de alojamentos locais, de modo que só possa ser criado um novo AL depois do fecho de um outro.
  • Acabar com as medidas de excepção – nomeadamente as relativas aos edifícios para reabilitação – nas zonas de contenção. Incluir as zonas da Baixa, Av. da Liberdade, Av. Fontes Pereira de Melo e Av. na República, bem como a Av. Almirante Reis, nas zonas de contenção.
  • Tomar em consideração o número de Unidades Hoteleiras existentes em cada território.
  • Defender a multifuncionalidade do centro histórico e dos outros territórios. Aplicar um sistema de quotas (1/3 habitação, 1/3 comércio, serviços, turismo, 1/3 equipamentos coletivos) que garanta um mix funcional (atendendo à especificidade da área urbana em causa) essencial à manutenção da vida social e económica do centro histórico, à sua coesão.
  • Ter em conta que o Regulamento de Alojamento Local deve integrar-se numa visão de cidade diversificada económica e socialmente, com densidade populacional significativa, evoluindo não só para a criação de riqueza mas também para uma boa distribuição dessa riqueza. Ter em conta que este Regulamento deve ter um carácter preventivo e não apenas paliativo.

Finalmente, regular o sector do AL, apesar de positivo, não é suficiente para impedir o desvio de oferta habitacional para a acomodação turística. Assim sendo, reafirmamos a necessidade da CML orientar a sua política de regeneração e reabilitação urbana para a habitação, pelas pessoas e para as pessoas.

É urgente que a CML valorize o direito à habitação, em detrimento de grandes e espetaculares intervenções de renovação e restauro para alienação de património público e até do espaço público, em benefício dos investidores. O Município dispõe de um vasto património imobiliário em toda a cidade. Deve requalificá-lo e mobilizá-lo para uso afeto de bolsas de arrendamento a custos controlados, contribuindo para a regulação do mercado imobiliário, para a limitação dos custos do arrendamento residencial tradicional, garantindo uma oferta habitacional a preços acessíveis para os mais vulneráveis e também para outros grupos sociais impedidos de viver atualmente na cidade. É urgente que a CML, por via do favorecimento derivado das políticas por que opta, contribua para o combate à especulação imobiliária. A criação de um
Plano ou Programa de Habitação específico para as zonas mais desertificadas pelo AL pode apoiar esta vontade.

( 1 ) https://ahresp.com/2019/01/estudos-quality-qualificacao-e-valorizacao-do-alojamento-local-2/

Movimento Morar em Lisboa

2 de Julho de 2019

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